Troian escreveu um artigo para a NEDA (Associação Nacional dos Distúrbios Alimentares, onde fala sobre sua experiência com a anorexia e como ela queria que Feed instigasse conversas sobre o assunto. Confira traduzido abaixo:

Quem me conhece bem sabe que eu sou atraída para o obscuro. Minha mente sempre vai para o pior caso. Meu primeiro pensamento depois que uma coisa positiva acontece é: ótimo, mas quando o outro sapato vai cair? Você pode dizer que eu sou pessimista, ou cínica (minha mãe frequentemente diz) mas, honestamente, eu tento ser positiva sobre as coisas. Talvez seja algo que eu acreditei, me preparar para o pior sempre te deixa maravilhosamente surpreendido com o resultado mediando, ao invés de ficar desapontada ou chocada quando as coisas não seguem seu caminho.

Então, desnecessário dizer, quando eu pensei sobre escrever meu primeiro filme, eu sabia que não seria uma história de conto de fadas e triunfo de unicórnios. Eu sabia que esse ditado, “Escreva o que você sabe” ia ser minha incursão nos roteiros, bem, as coisas vão ficar… Obscuras. E mesmo assim, nesse momento da minha vida eu tinha recompensas de coisas maravilhosas, e eu ainda estava lutando com a escuridão. Porque, mesmo que eu tivesse algumas manchetes brilhantes no jornal da minha vida, eu ainda estava lutando com um demônio. Não importa quantas coisas boas viessem até mim, eu tinha essa voz forte e alta dentro de mim pronta para me dizer que tudo estava errado e horrível apesar de tudo. Essa voz era minha doença.

Nesse ponto, quase sinto que preciso me desculpar, porque às vezes parece que eu contei essa história tantas vezes que se tornou uma pintura de números.

Número 1) AMARELO. No ensino médio, eu perdi uma quantidade significativa de peso que meus pais finalmente me forçaram a ver um médico que diagnosticou minha anorexia nervosa. Todos em minha vida me disseram que eu precisava comer para sobreviver, mas eu ainda não conseguia fazer isso.

Número 2) LARANJA. Eu não conseguia me convencer que perder minha vida era assustador o suficiente, mas de alguma forma não ir para a faculdade enquanto todos os meus amigos estavam fazendo isso (lógica adolescente, vá descobrir). Então, eu engordei para apaziguar meus pais e médicos e fui para meu primeiro ano na faculdade.

Número 3) VERMELHO. Durante os primeiros meses da faculdade, longe de casa e sem supervisão, eu deixei minha doença tomar o volante do meu destino. Eu perdi peso o suficiente que a escola me enviou de volta para Los Angeles e minha família me hospitalizou.

Número 4) AZUL. Enquanto todos os meus amigos tinham suas experiências cobiçadas na faculdade, eu estava sendo monitorada enquanto usava o banheiro, eu tinha uma refeição prescrita para me fazer ganhar peso. Todos os dias tinha terapia grupal, e terapia familiar. Eu pensei que estava no fundo do poço, no fim da minha vida, uma falha, mas, na verdade, eu estava apenas no começo. Finalmente, eu pude conseguir o tratamento que eu precisava e enfrentar minha doença cara a cara.

Número 5) VERDE. Eu comecei a longa caminhada para recuperação que me levou a minha vida de hoje. Buum, as cores estão todas aí, uma bela imagem, coloque todas na geladeira, tudo pronto… Mais ou menos.

Embora essa história, que para mim, uma década depois, após minha experiência de quatro anos na escola de teatro e sete anos de uma série de TV de sucesso, é apenas uma parte da minha identidade, uma fração da história que me faz eu. Essa história não é toda a história da minha relação com meu distúrbio alimentar.

E essa história também não é comum. Não é assim que acontece com as outras pessoas automaticamente. A história de cada um é diferente e cada uma importa. Uma das muitas razões que minha doença foi levada a sério foi por causa da maneira extrema que meu corpo ficou: frágil, magro, doentio. Mas, quer percebamos ou não, todos conhecemos alguém que está lutando em um relacionamento desordenado com a comida.

Ainda, quantas dessas pessoas você acha que foram confrontadas? Quantas dores dessas pessoas são levadas a sério o suficiente para serem colocadas na mesma sala com um médico? Quantas pessoas são ignoradas porque elas não “parecem” ter um distúrbio alimentar ou não pedem ajuda porque o estigma é esmagador? Quantas pessoas acabam sofrendo em silêncio por falta de informação e falta de recursos?

Os distúrbios alimentares são as mais mortíferas das doenças mentais – pessoas estão morrendo em um ritmo alarmante. Sim, morrendo. Essa doença é uma assassina, e é incrivelmente eficaz. No topo disso, afetam muitas pessoas. 10 milhões de homens e 20 milhões de mulheres vão lutar com um distúrbio alimentar sozinhas em algum ponto de suas vidas nos EUA. Pessoas de todos os gêneros, etnias, idades, e ambientes sofrem de distúrbios alimentares, mas a maioria não tem a ajuda que precisam porque suas doenças são escondidas nas sombras. Mesmo quando as pessoas procuram ajuda, tratamento pode ser proibitivamente caro ou não existe em sua área, ou o financiamento para a pesquisa de tratamentos efetivos é escasso.

Mas lá estava eu, uma das recuperadas (leia-se sortuda), uma das pessoas que teve pessoas que se preocuparam e notaram minha doença e agiram, alguém que teve acesso ao tratamento e pode ficar saudável e continuar com a vida. Então, quando eu sentei para escrever “O que eu sabia”… Adivinha qual foi a primeira históris que eu queria contar?

Minha doença ainda parecia grande na minha cabeça, mas agora eu tenho o tratamento para passar pela vida de maneira mais saudável. Eu comecei a trabalhar como atriz, e quando minha série começou a ganhar mérito e notoriedade, eu vi que eu podia fugir escondendo minhas lutas na ideia de um passado imaculado. Eu poderia contar aos meus fãs, claro, ensino médio foi difícil, mas nada grande aconteceu, basta olhar essa foto brilhante de mim com cabelo e maquiagem, não pareço quase perfeita?

Eu poderia manter a fachada que eu era uma das pessoas brilhantes, apenas colocar fotos sorrindo no Instagram, me divertir no set, levando a uma vida encantada; mas por que? Por que fingir que não ouço mais minha doença todos os dias, quando eu sei que tem vários aí fora que ainda estão lutando que podem não ter acesso ao apoio que eu tive para serem ouvidos, mas não agindo nisso. Então, eu queria escrever um filme que abrisse a conversa sobre distúrbios alimentares e contar as pessoas que estão ouvindo essa voz horrível em suas cabeças que não é assim que suas vidas tem que ser.

E para as pessoas que pensam que distúrbios alimentares são só ser magra, ou uma escolha? Para as pessoas que não pensam que é um problema sério? Eu queria colocar as pessoas dentro de uma experiência de um distúrbio alimentar e assustá-los. Eu queria transmitir o quão desconfortável isso é, não apenas para mim, mas para minha família e amigos, também. Eu queria que eles entendessem que distúrbios alimentares não são sobre vaidade – eles são enraizados na dor e na sensação de desesperança e, como você vê nos filmes, às vezes atado ao trauma.

Eu acho que terão muitas pessoas que não vão ver Feed como um filme sobre um distúrbio alimentar, e eu tenho orgulho disso. Eles vão ver como um filme sobre uma garota que está sendo assombrada, eles vão ver como um suspense sobrenatural sobre o horror da culpa. Eles também não vão entender porque eu fiz essa história tão obscura e perturbadora quando falo sobre algo tão sério como doenças mentais. Mas para mim essa doença é assustadora. Para mim essa doença é uma força que ameaça a vida, que faz você lutar com as partes mais sombrias de você mesmo.

Eu nunca quis engatilhar alguém a ter distúrbio alimentar ou criar mais um desafio na jornada de alguém para a recuperação. Na minha experiência, recuperação não é uma caminhada no arco íris, mas eu sei que esperança é real. Feed é destinado a ser um passeio obscuro, e apenas o começo do que eu penso que é uma conversa muito importante – uma conversa que, com sorte, levará mais pessoas a obterem a ajuda que merecem.

Não me entenda errado, eu acho que pode ser imensamente poderoso brilhar uma luz na escuridão, mas talvez isso possa ser tão poderoso entrar e deixar seus olhos se ajustarem. Isso, para mim, é como encontramos nossa saída.

Fonte: NEDA